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Papel da crença no século XXI


PAPEL DA CRENÇA NO SÉCULO XXI

Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi*

Palestra para o evento inter-religioso na Associação Técnica Brasil-Alemanha - abril2003

 

Constatamos, no mundo atual, uma desagregação significativa da conduta humana. Decadência ética e moral nas relações entre indivíduos, entre instituições e entre nações. Desvalorização da vida e da dignidade humana, propagando a injustiça, a opressão dos mais fracos, globalizando sofrimento e dor. Tragédias inimagináveis a alguns anos atrás, estão se tornando lugar comum, alcançando inclusive o seio das famílias. Assassinatos envolvendo ora filhos contra pais, ora pais contra filhos em tenra idade.

 

A explicação para tal degeneração só pode ser encontrada na forma incorreta como estamos vivendo e organizando nossas vidas. O materialismo exacerbado afasta o ser humano dos tempos atuais do contato com outra parte fundamental de sua existência, qual seja sua espiritualidade. Este afastamento nos destitui de valores imprescindíveis para nosso equilíbrio levando-nos a uma situação sem limites, em que tudo é válido para atingir os fins de prosperidade material, poder, fama, prazer. Perdemos o discernimento e as referências de certo e errado. Perdemos a percepção de que somos parte de um todo infinitamente complexo, e que só a harmonia com este todo permitirá alcançar o pleno desenvolvimento de nosso potencial enquanto seres humanos.

 

À religião cumpre o papel de orientar o ser humano no resgate de seus valores essenciais.

 

 No Sagrado Alcorão Allah nos ensina:

 

"...Criarei um ser humano de argila, de barro modelável. E ao tê-lo terminado e alentado com  Meu Espírito..." (Surata 15: 28-29)

 

Desta forma vemos que o ser humano é constituído por duas instâncias. Uma instância material, concreta, ligada a este mundo temporal, transitório e infinitamente múltiplo. Uma instância Espiritual, ligada à realidade divina, permanente e Una.

 

No Sagrado Alcorão, Surata 11:6, tem-se: "Ele conhece sua estância temporal e permanente, porque tudo está registrado num Livro Lúcido".

 

Não é possível saúde e equilíbrio se privilegiarmos a instância material, temporária, de nossa existência em detrimento da Espiritual, permanente. Não é possível desenvolvermos plenamente nosso potencial humano se ignoramos parte tão fundamental de nossa existência.

 

A criação do homem, Adão (as) foi seguida de seu afastamento do Paraíso, porém Allah perdoou Adão (as):

 

"Adão obteve do seu Senhor algumas palavras de inspiração e Ele o perdoou, porque é o Remissório, o Misericordiosíssimo. E ordenamos: Descei todos daqui! Quando vos chegar de Mim a orientação, aqueles que seguirem a Minha orientação não serão presas do temor, nem se atribularão." ( Alcorão, Surata 2:37-38)

 

Temos assim a condição para recuperarmos nossa condição plena como seres humanos, qual seja: Seguir a orientação de nosso Criador.

 

Mas Allah permite ao ser humano seguir ou não esta orientação, exercitando seu livre arbítrio. Aqueles que a seguirem estarão em paz e harmonia, os que não seguirem serão presas dos temores e das atribulações.

 

As orientações de nosso Criador nos chegaram por inúmeros profetas. Todos trazendo a mesma mensagem, referências de certo e errado, de discernimento, indicando valores e princípios que se seguidos permitem ao ser humano encontrar sua verdadeira natureza.

Vemos assim que a condição de seguir ou não seguir as orientações de nosso Senhor está estabelecida desde o início dos tempos e assim será até o final dos tempos. A vida terrena nada mais é que um palco, ilusório e transitório, onde o ser humano deve exercitar ser livre arbítrio.

 

Alcorão Surata 6-32, "Que é a vida terrena senão jogo e diversão frívola?".

 

Assim a humanidade oscila entre períodos de iluminação, em que há maior harmonia com as leis divinas e períodos de obscuridade, onde os princípios sagrados da existência são esquecidos e a injustiça, o sofrimento e a dor se multiplicam.

 

Vivemos um destes períodos de obscuridade.

 

Embora o progresso material e tecnológico seja imenso, como jamais visto na história conhecida da humanidade, o ser humano torna-se cada vez mais coisa, objeto manipulável e tratado como as próprias mercadorias que produz. Matéria prima e objeto de consumo, como qualquer outra coisa. Perdendo sua dignidade e auto-estima, com sua própria vida barateada e dispensável em prol dos objetivos maiores dos interesses do mercado, da economia e relações geo-políticas.

 

Nesta época obscura a religião assume papel fundamental. O de trazer à tona os princípios fundamentais e sagrados que nos foram revelados pelo Criador e que nos permitem ser humanos.

 

Princípios como:

 

Respeito à vida, à justiça, à equidade, ao livre arbítrio, ao conhecimento, à diversidade cultural, à não imposição de crença, a não agressão, a não destruição, à ética, à moral, à verdade e tantos outros.

 

Cabe à religião trazer estas referências à consciência humana, como norteadoras de suas escolhas e de sua conduta, pois são as orientações de nosso Criador, e aqueles que a seguirem "não serão presas do temor, nem se atribularão", como vimos acima.

 

No mundo atual, assolado e ameaçado por calamidades de proporções planetárias, torna-se necessário reconhecer este papel fundamental da religião.

 

Cabe a nós religiosos identificarmos estes princípios universais em nossos caminhos, aparentemente distintos, porem unos no sentido de nos levarem ao Criador. Cabe a nós reconhecermos a urgência e a importância de nos aliarmos na defesa, divulgação e cobrança do respeito a estes princípios. Embora separados por distintas denominações, cultos e conceitos, estes princípios são pontos de união e espelham a vontade do Criador. A época atual requer mais do que nunca, uma aliança pelo bem.

 

Para finalizar gostaríamos de, em face da situação calamitosa por que passamos nestes tempos de guerra, tecermos algumas palavras sobre os conceitos de justiça e arbitrariedade.

 

Este planeta em que vivemos foi abençoado, pela infinita misericórdia de Allah, com profusão de recursos, abundância de ar, de água, de minérios, de formas de vida vegetal e animal, na terra, no ar, nos oceanos.

 

Tanta riqueza natural foi colocada à disposição do ser humano, para que, fazendo uso de sua inteligência, a utilizasse para seu bem estar e progresso.

 

A administração destes recursos, se levada a efeito com justiça e equidade, harmoniza-se com a vontade do Criador, gerando equilíbrio, estabilidade e paz. Ao contrário, se subordinada a tirania da arbitrariedade gera desequilíbrio, violência e dor. Arbitrariedade como a imposição de interesses próprios, em detrimento ao justo respeito aos interesses, direitos e necessidades de outros. Imposição pelo uso do poder e da força, seja físico, econômico ou militar.

 

Lamentavelmente, hoje vemos nações, que se consideram civilizadas e democráticas, fazendo uso deste instrumento, tão comum nos tempos de barbárie. Impondo pela força militar, econômica e política, de forma violenta, seus interesses em detrimento do justo direito de outros povos ou nações. Buscando resolver as divergências pelo ataque causando a morte de milhares de inocentes. Violando soberania de outros povos, impondo restrições comerciais injustas, recusando-se a cooperar à renovação dos recursos naturais que consomem de forma perdulária.

 

A nós religiosos cabe denunciar esta arbitrariedade. Alertar que não existe poder maior que o poder de Allah, nosso Criador. Temos o dever de não nos curvar às pressões, ou ceder à oferta de benefícios, por parte de governantes inescrupulosos, dando respaldo religioso à sua tirania.

 

O compromisso de um religioso é com Allah, com o Criador. É um servo de Allah para orientar a humanidade, esclarecendo o justo limite para sua ação e exercício de seu livre arbítrio. Furtando-se a esta função, o religioso torna-se instrumento do mal, maliciosamente corrompendo a humanidade ao distorcer a compreensão das leis divinas, para justificar a injustiça e a arbitrariedade.

 

31 de março de 2003

 

Hajj Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi