Portal

Quem Somos
Zikr
Sama-o giro dervixe
Pir Nureddin
Oração Islâmica
Horário das orações
Conto da Semana
Textos em português
Textos em espanhol
Artigos & Palestras
A Mulher no Islam
Agenda
Contato
Mapa do Site
Revelação do Sagrado Alcorão

Voltar

A REVELAÇÃO DO SAGRADO ALCORÃO

Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi

Artigo publicado na Revista Diálogo, Edições Paulinas, março de 2001

 

O sol escaldante castiga a terra cansada. Dunas e colinas pedregosas estendem-se, com sua aridez,  em todas as direções. Percorrendo ravinas arenosas um homem caminha pensativo. Carregando consigo água e alimento para alguns dias, procura abrigo onde possa recolher-se. Seu coração está sem sossego. Reflete sobre os costumes de seu povo e sente-se impotente diante da injustiça, da imoralidade, da idolatria tão comum entre sua gente. Sua alma sensível busca na solidão do deserto a paz necessária para compreender o sentido e a ordem que intui implícita em toda a criação e que, quem sabe, lhe permitiria compreender também as razões da doença de sua gente, em seu modo de vida degenerado.  Na solidão seu espírito se eleva contemplando a incessante mutação dos elementos entre o céu e a terra, as alternâncias de luz e sombra, dia e noite, o movimento dos ventos elevando as areias do deserto, o curso das estrelas na esfera celeste, todos obedecendo a leis misteriosas, desconhecidas e inconcebíveis. Pressente um Poder Invisível que permeia todos os aspectos da existência num universo infinito. Recolhido em uma pequena gruta, no alto da montanha de Hira, passa dias e noites em contemplação e jejum, sem suspeitar o papel que lhe foi destinado por este mesmo Poder e que mudaria, nos anos seguintes, não só o curso da existência de seu povo como de toda a humanidade.

 

No ano 610 dC, a cidade de Meca desfrutava de relativa importância na península arábica. Por um lado situava-se na rota comercial das caravanas que transportavam mercadorias entre o sul, no Yemen, e o norte, nos centros urbanos então governados pelo império bizantino a noroeste e império persa a nordeste. Tradicionalmente, também era um centro de peregrinação, onde anualmente diversas tribos prestavam homenagem aos seus deuses, ídolos que eram dispostos no templo da Caaba, originalmente construído pelo profeta Abraão (as), como templo de adoração a Allah, o Deus único, Inconcebível e Incomparável. Nesta época na Arábia, como no restante do mundo de então, costumes selvagens e cruéis dominavam o modo de vida das populações. Foi neste contexto que surgiu a revelação do Sagrado Alcorão.

 

O Profeta Muhammad (saws) estava recolhido na gruta de Hira, imerso em suas devoções quando, inesperadamente aparece o Espírito da Verdade, o anjo Gabriel (as)  e diz ao Profeta (saws): "Leia". O Profeta (saws) responde: "Eu não sei ler". Descrevendo a experiência o Profeta (saws) diz: "Então ele me segurou e apertou com força, depois me libertou e repetiu a ordem: `Leia'. `Eu não posso ler', repeti, e novamente o anjo me apertou até que me senti exausto. Então ele disse: `Leia.' Eu disse `Eu não posso ler.' Ele me pressionou pela terceira vez e disse:

 

"Leia! Em Nome do seu Senhor, Que criou  (tudo que existe), criou o homem de um coágulo. Leia que seu Senhor é o Mais Generoso. Ensinou através do cálamo. Ensinou ao homem o que este não sabia." (Surata  al'Alac 96:1-5)

 

O Profeta (saws) repetiu estes versos. Trêmulo retornou a seu lar, e pediu a sua esposa Khadijah: "Cubra-me, cubra-me". Ela o acolheu e descreve que ele ficou horrorizado com o incidente na caverna, uma experiência incomparável até então, levando-o a duvidar da própria sanidade. Novas aparições de Gabriel (as) e a confirmação da mensagem o levaram a compreender a grande missão que lhe havia sido destinada.

 

Este foi o início da revelação do Sagrado Alcorão. O restante foi revelado num período que se estendeu por 23 anos. O anjo Gabriel (as) aparecia em visões, ou de forma invisível jorrava a mensagem diretamente no coração do Profeta (saws), ou ainda apresentava-se ao Profeta (saws) em forma humana falando com ele diretamente, ou revelava-se como o ribombar de um sino. Esta era a forma mais difícil que levava o Profeta (saws) a suar copiosamente, mesmo nos dias mais frios.

 

A revelação não foi bem recebida em Meca dominada pela idolatria. Afirmando a existência de Deus Uno e Único, que ordenava justiça e tolerância, comportamento ético e humanitário, respeito aos direitos dos seres humanos, homens e mulheres, encontrou forte oposição. Os primeiros muçulmanos foram maltratados e humilhados enfrentando perseguições, torturas e assassinatos. Em 622 d.C., buscando melhores condições de sobrevivência, retiraram-se da cidade de Meca para a cidade de Medina, com apoio e suporte de seus habitantes. Este ano, 622 d.C., dá início ao calendário islâmico. A partir de Medina, a religião islâmica consolidou-se e iniciou sua expansão. Num período de menos de cem anos já estendia-se pelo norte da África, península ibérica na região do atual Portugal e Espanha, até o extremo oriente, chegando às fronteiras da Índia e China. Justiça, respeito à lei, tolerância e espírito democrático foram fatores que facilitaram esta expansão, levando os muçulmanos a serem bem recebidos nas regiões a que chegavam. Nos séculos que se seguiram, o Islamismo contribuiu para o desenvolvimento do saber humano em diversas áreas como medicina, astronomia, álgebra, química, filosofia, resgatando a obra dos pensadores gregos do passado.

 

Este resultado benéfico da revelação do Sagrado Alcorão mostra claramente o papel das revelações, que é o de mostrar ao ser humano como viver corretamente e encontrar o equilíbrio necessário entre sua existência material e espiritual. Esta função é claramente descrita no Sagrado Alcorão:

 

"Adão obteve de seu Senhor algumas palavras de inspiração, e Ele o perdoou, porque é o Remissório, o Misericordiosíssimo. E ordenamos: Descei todos daqui! Quando vos chegar de Mim a orientação, aqueles que seguirem a Minha orientação não serão presas do temor, nem se atribularão." (Surata al Bácara: 2: 37-38)

 

A alma humana foi criada para ser o representante de Deus na criação. Ao ser transportada do plano divino para o mundo material foi coberta por uma roupagem de terra, água, fogo e ar. Subjugada pela densidade da matéria e pelo forte apelo de suas necessidades materiais esqueceu-se de sua origem divina e de seu papel na criação, perdendo sua sintonia com o Criador e Suas leis cósmicas.

 

Mas Allah prometeu enviar orientação para ensinar ao ser humano a fazer as escolhas corretas e assim recuperar seu estado de pureza e equilíbrio. Esta orientação vem na forma das revelações. Desde Adão (as) o primeiro homem e também o primeiro Profeta, até Muhammad (saws), o último, passando, entre muitos outros, por Moisés (as), David (as), Salomão (as), Jesus Cristo (as) Allah enviou mensageiros todos trazendo essencialmente a mesma mensagem, uma vez que provem da mesma Fonte Infinita, para ensinar ao ser humano como viver corretamente, definindo as ações que deve fazer e as ações que deve evitar para conquistar o estado de equilíbrio.

 

Para os muçulmanos a referência principal da religião é o Sagrado Alcorão. Registros históricos comprovam, e pesquisadores (não islâmicos) reconhecem, que o Sagrado Alcorão não sofreu alterações e mantém-se até hoje na forma exata como foi revelado, sendo que foi registrado por escrito durante a vida do Profeta (saws) e não após sua morte, tendo sido revisado pelo Profeta (saws) ainda em vida.A compreensão do Alcorão se completa com os exemplos que o Profeta (saws) demonstrou durante sua vida. Estes exemplos compões as tradições proféticas, os hadith, que são as decisões, silêncios e ações do Profeta Muhammad (saws) face às situações e circunstâncias com que se deparou na vida cotidiana.  Como o Profeta (saws) sempre se reportava à mensagem revelada, sendo considerado em suas ações como o Alcorão vivo, na verdade a fonte primária e essencial é o Livro Sagrado.

 

Além do Alcorão e dos hadith com o tempo desenvolveram-se as escolas de jurisprudência (fiqh) islâmica. Também são consideradas fontes do Islam. Tornaram-se necessárias pois, embora o Alcorão contenha prescrições específicas para o comportamento certo e errado, em muitas áreas da atividade humana, suas injunções não cobrem todas as situações particulares que surgem na vida prática. Adicionalmente, trata-se de um livro revelado para ser válido e atual até o final dos tempos, sendo assim, é específico apenas nas prescrições que devem se manter imutáveis, em qualquer época, e, nos demais casos, apresenta princípios e diretrizes gerais.

 

Situações que, pelas limitações de nossa compreensão, não podem ser esclarecidas através do Sagrado Alcorão, nem através dos hadith, nem através das escolas de jurisprudência (fiqh), considerados nesta ordem, são definidas através do consenso da comunidade islâmica, buscado pelo estudo e análise dos juristas islâmicos.

 

Desta forma, com este corpo de conhecimento, os muçulmanos encontram referência de conduta para todas as situações da vida de um ser humano, desde a conduta adequada para a satisfação das necessidades fisiológicas a instruções para higiene íntima, relações sexuais, vida conjugal, passando pelas questões relativas ao comportamento ético, a conduta social correta, as relações familiares, a educação dos filhos, herança, direitos das mulheres, direitos humanos, chegando a instruções para o relacionamento entre os povos. Instruções para a vida espiritual e material.

 

Além destas instruções práticas para a vida, o Sagrado Alcorão contém mensagens metafóricas, estas só Allah conhece o significado em sua inteireza. Mas àqueles que seguem o modo de vida correto, estão reservados a compreensão, ainda que limitada, inspirada por Allah diretamente nos corações, e o descortinar dos mistérios da Verdade maior que permeia a realidade aparente em que vivemos.

 

Hajj Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi

Voltar